sexta-feira, 11 de março de 2011

A mãe

Havia de visitar a mãe. Havia tempo que não visitava a mãe. Lembrava-se com dificuldade, aliás, da cara da mãe. Era uma cara, se não lhe falhava a memória, bem curiosa. Tinha tatuagens de fogo nas bochechas e dentição incisiva dentro da boca. Quando furiosa, aqueciam as bochechas e cresciam os dentes e rompiam a boca. O cabelo, lá em cima, não escorria nem dançava. Era teso, seco e baço. Era, antes, uma malha de rede que lhe tapava a careca e que despia todas as noites. Como despiria a roupa se tivesse corpo. Mas a mãe não tinha corpo, era só cara com aquilo que disse, se bem me entendem. Era mais ou menos assim a cara da mãe e mãe em geral. Havia de visitar a mãe, dizia eu antes de mais. Mas haveria sempre, graças a Deus, algo mais premente a fazer antes disso.

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